Associo-me à deputada estadual Patrícia Alba, a rebelde da bancada do MDB como único voto contrário à PEC que retira a necessidade de plebiscito para autorizar a venda da Corsan. A aprovação nesta terça por 33 a 18 é o terceiro Erasmo ‘Pega na Mentiraaaaa’ Carlos cometido pelo governador Eduardo Leite (PSDB).
Já que ninguém mais usa cheque, para usar a expressão 'cheque em branco', a impossibilidade de a população decidir, e ter informações sobre o leilão de seu maior patrimônio, é um 'PIX ilimitado'. A pressa do governador para entregar até os parafusos faz lembrar aquelas promoções: “Torra-torra, o patrão enlouqueceu!”.
Reputo Patrícia Alba acerta técnica, política e moralmente. E não concordo que há incoerência da ex-primeira-dama de Gravataí, por seu governador José Ivo Sartori também querer a privatização, porque seu ex-governador tentou fazer o plebiscito e, por articulação do político de Pelotas, não conseguiu.
Há sim, uma divergência conceitual com o prefeito Luiz Zaffalon (MDB), favorável à privatização, o que, no caso da Corsan, o casal Alba não é.
– O governo mentiu para garantir a sua eleição e, por isso, deve agora dar a oportunidade do cidadão decidir sobre um tema tão importante, no qual foi enganado – argumenta a companheira do ex-prefeito Marco Alba.
– Agora, a partir de um marco regulatório aprovado às pressas pelo Congresso com o intuito de impulsionar a privatização das estatais, coloca o abastecimento de água, a coleta e o tratamento de esgoto dos municípios à mercê de uma agenda imediatista, que se preocupa mais em vender patrimônio para cobrir o déficit estrutural do setor público do que, de fato, garantir a política de implantação do saneamento básico nos termos da nova lei – adverte.
Assista à íntegra do discurso de Patrícia e, após o vídeo, sigo a análise
Analiso a conta gotas.
Patrícia Alba acerta tecnicamente porque é um risco vender uma estatal com liquidez a toque de caixa, sem apresentar aos deputados e aos gaúchos um plano para a privatização.
Como a empresa compradora vai custear os investimentos de R$ 10 bilhões para universalização da água até 2033, como determina o marco regulatório do saneamento vigente desde 2016? Provavelmente com aumento de tarifas, já que a empresa privada não terá isenção de impostos e nem o mesmo acesso a financiamentos.
Ao mesmo tempo, para iniciativa privada é um negócio da China, ou para a China, que já está no mercado brasileiro do saneamento. Porque sem investir, mantendo o sistema, e não cumprindo o marco regulatório, arrecadaria com a Corsan R$ 400 milhões em 10 anos e depois poderia entregar o serviço.
Mais de R$ 400 bilhões, já que a Corsan arrecada R$ 4 bi por ano, mas perde, de seu produto, a água, 55% do que produz.
Qual a responsabilidade da empresa privada em levar água para pequenos municípios? Com o chamado subsídio cruzado, a arrecadação maior na Grande Porto Alegre ajuda a custear a água e o esgoto em localidade menos lucrativas.
Hoje, mesmo que todos os problemas, a Corsan leva água a todas as cidades e com preços acessíveis, mesmo que tenha uma das tarifas mais caras do país.
Ainda na questão técnica, a deputada faz um alerta correto: as prefeituras tem hoje a outorga, e em Gravataí, Cachoeirinha e outros sete município da Região Metropolitana, contratos assinados para a estatal firmar a PPP, a parceria-público privada que está em curso e prevê o cumprimento das metas do marco regulatório menos de 15 anos.
É disputa jurídica na certa.
Não há resposta do governador para nenhum desses questionamentos. Nenhum plano de metas foi apresentado. A corrida parece ser para jorrar bilhões para tapar o rombo no caixa do Estado e, com o troco, comprar deputados simpáticos.
É aí que aponto o acerto moral de Patrícia Alba. Não reporto com fontes em sigilo o que me parece um escândalo, e sim com a fala do deputado Tiago Simon (MDB), que se absteve na votação. O filho de Simon disse que, na quinta passada, em reunião com a base para tratar sobre a polêmica do plebiscito da Corsan, o governador ofereceu R$ 1,1 bilhão em obras e ‘kit asfalto’ para deputados.
Perguntei a Patrícia Alba, que também participou da reunião, e após um silêncio ela respondeu:
– O que confirmo é que não se apresentaram informações técnicas na reunião.
Se o leitor não acredita que Leite foi à fossa da política com o toma-lá-dá-cá, ouça Simon.
Assista e sigo abaixo do vídeo
Já o acerto político de Patrícia Alba é denunciar os momentos que evidenciam estelionato eleitoral cometido pelo governador na eleição em que venceu seu candidato Sartori, sugerindo ao gringo “tirar a bunda da cadeira”.
É o terceiro Erasmo de Leite. Dá para cantar o ‘Pega na Mentiraaaa’ na promessa de que colocaria os salários do funcionalismo em dia no primeiro ano de governo, o que não cumprir; na promessa de não aumentar impostos, o que fez em 2021; e agora no plebiscito.
Na campanha de 2018, Leite garantiu no Sindicato dos Engenheiros (SENGE) que manteria a Corsan pública. Tem vídeo.
Assista e, abaixo, sigo.
É óbvio que o voto de Patrícia também faz parte da estratégia dela e de Marco Alba para disputar o MDB e evitar que o partido siga um ‘sócio minoritário’ de Leite e encolha até se transformar em legenda apenas para ‘muletas de plenário’, aqueles que trocam votos pela reeleição.
E, é difícil, mas não impossível, o crescimento de Patrícia e das ideias do casal também ajuda no sonho de uma candidatura do ex-prefeito de Gravataí ao Palácio Piratini, com apoio de ex-governadores como Sartori e Germano Rigotto.
Mas acho injusto reduzir a polêmica a isso. Goste-se ou não, seja eleito dela ou não, as argumentações da deputada ultrapassam o interesse eleitoral. O que Patrícia Alba cobra, deveriam cobrar todos os gaúchos, a favor ou contra a privatização: as mentiras do governador.
Leite não disse na campanha que derrubaria o plebiscito, articulou para Sartori não conseguir fazê-lo e, mais, se comprometeu a manter a Corsan pública – o que, não tenho dúvida, decidiu a eleição a seu favor, quando no 2º Turno herdou votos do lado esquerdo da ferradura ideológica.
Dos Grandes Lances dos Piores Momentos, Leite agora corre para fazer um torra-torra de uma empresa pública que, apesar de problemas de gestão e incapacidade de investimento, dá lucro.
– Não perguntou qual a alternativa a deputada tem? – algum leitor pode estar se questionando.
Sim.
Patrícia, assim como Marco Alba, são ideologicamente a favor de privatizações para reduzir o tamanho do estado, mas no caso da Corsan, defendem a manutenção dos contratos assinados entre a estatal e as prefeituras, a PPP ou então permitir consórcios regionais ou municipalização – o que ex-prefeito tentou, ao calcular que a Corsan investia 10% do que arrecadava em Gravataí, mas desistiu ao apostar na PPP após apelo de Sartori.
Aí pinga a diferença conceitual entre Patrícia, Marco e Zaffa. O atual prefeito é a favor de privatizar a Corsan, como tratei em Sem água e sem esgoto Gravataí segue entre piores do Brasil; Zaffa apoia privatizar Corsan.
Ao fim, Leite faz Millôr acertar mais uma, quando dizia que todo político um dia corresponde aos que não confiam nele.
Parafraseio o Tremendão:
Zico tá no Vasco, com Pelé
Minas importou do Rio, a maré
Beijei o beijoqueiro na televisão
Acabou-se a inflação
Barato é o marido da barata
Amazônia preza a sua mata
O governador cumpriu a promessa
A Corsan é pública
Pega na mentira, pega na mentira
Corta o rabo dela, pisa em cima
Bate nela, pega na mentira
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